Para uma melhor compreensão sobre como ocorreu o fenômeno do Calvinismo que se espalhou por toda Europa tornando-se responsável por grandes mudanças nos campos políticos, sociais, religioso e econômico, faz-se necessário entendermos alguns conceitos. Para isso, buscaremos fundamentar nossa análise bibliográfica em autores como Christopher Hill, Trevor-Roper, Max Weber e Jobson Arruda, entre outros que estão voltados para o tema.
O Calvinismo é entendido tanto como um movimento religioso protestante quanto uma ideologia sociocultural com raízes na primeira reforma protestante na Alemanha, iniciado pelo monge Agostiniano Lutero, em 1517, e depois fundamentada por Calvino que difundia suas idéias pela França, Suiça e Holanda no século XVI. A Inglaterra começou a sentir os efeitos desse movimento, ou seja, dessa transformação que segundo Trevor-Roper foi fundamental para quase tudo que se passou no mundo desde então. Nesse sentido, o historiador inglês Trevor-Roper destaca que a Europa virou "de cabeça para baixo" em termos políticos, econômicos e intelectuais diante do processo da Revolução Inglesa. Para uma melhor compreensão desse processo explicaremos alguns conceitos que estamos utilizando, da mesma forma que achamos muito válido para esse artigo. Decidimos trabalhar com conceito de revolução entendido por Jobson Arruda, onde destaca que:
(...) existe uma revolução desde que as mudanças se operem no interior do sistema de maneira acelerada, tanto ao nível estrutural, quanto ao conjuntural, seja no aspecto econômico, social, seja político. Haverá, pois, uma revolução mesmo que as mudanças aceleradas ocorram em apenas um dos setores considerados, porque a articulação necessária entre eles acaba transferido as mudanças para todo o conjunto.
Nesse sentido, podemos dizer que a Revolução Inglesa foi um processo de cunho político-teológico. Inicialmente foi denominada de Revolução Puritana que teve como principal eixo o confronto entre a Monarquia e o Parlamento agravado pelas divergências religiosas, culminando assim, no conflito armado e início da guerra civil (1642-1649) e logo a seguir na Revolução Gloriosa. O movimento da Revolução Gloriosa se destacou por ter destituído do trono o rei católico Jaime II da Inglaterra da dinastia Stuart e substituído pelo nobre holandês Guilherme, Príncipe de Orange em conjunto com sua mulher Maria II, filha de Jaime II sem que ocorresse derramamento de sangue.
Decidimos usar a nomenclatura no singular visto que apesar de separadas por cortes temáticos ambas fazem parte de um processo revolucionário que foi sendo desenvolvido na Inglaterra do século XVII com uma resultante das contradições e resignificações de um Estado Absolutista que experimentava a mentalidade da modernidade. (Arruda, 1984, p.121)
Inicialmente, gostaríamos de destacar que o protestantismo exercia um grande poder ideológico na sociedade inglesa dos séculos XVI e XVII. Desde a separação política da Inglaterra de Roma emblematicamente conhecida com o rompimento de Henrique VIII com o papa, a Inglaterra tornar-se-ia palco de disputas políticas e religiosas ainda não conhecidas na história da cristandade. Ao romper com Roma, Henrique VIII estaria de forma direta dando suporte ao movimento que havia surgido na Alemanha pelo monge Agostiniano Lutero, em 1517, e agora sendo reescrito por Calvino que difundia suas idéias pela França, Suiça e Holanda. A Igreja que surgia com Henrique VIII abraçaria os ideais calvinistas, preservando a liturgia católica.
A tradução da bíblia para o inglês foi outro fator de destaque como fomentador desse novo momento político-religioso na Inglaterra tanto entre os monarcas como até em discussões cotidianas dos camponeses ingleses (HILL, 2003, p.24).
Essa equação sócio-religiosa foi a base para o surgimento do anglicanismo, o qual encontrou no calvinismo o balizador da interpretação bíblica. A estrutura econômica da Inglaterra nesse momento foi também um fator que acelerou e viabilizou a Revolução. Christopher Hill (1984) em seu artigo para a Revista Brasileira de História aponta que:
(...) este resultado bem como a própria revolução tenham se tornado possíveis porque já tinha havido um desenvolvimento considerável das relações capitalistas da Inglaterra.
Contudo, esse momento sócio-econômico e esse clima constante de contradições vividas por frações dos estamentos criaram uma instabilidade política baseada na propriedade de terras. A terra foi o foco das disputas entre nobreza, clero, senhores feudais, e as novas frações sociais – yomers, levelers, diggers, etc - que surgiam em uma Inglaterra que experimentava a modernidade e suas contradições. Esses conflitos foram permeados pela ideologia religiosa que assumia o papel antes pertencente à Igreja Romana: o protestantismo.
Nesse sentido, é interessante destacar a afirmação de HILL (1984) de que o protestantismo foi um movimento que contribuiu para o desenvolvimento capitalista, visto que a relação com o lucro deixava de ser pecaminosa e tornava-se um sinal da benção de Deus sobre o pequeno ou grande proprietário de terra. Porém, outros fatores políticos, econômicos e culturais que conseqüentemente repercutiram diretamente em processos de transformação acorridos ao longo de toda idade moderna também devem ser considerados.
O sociólogo alemão Max Weber, ressalta que essa mudança se deu por uma razão ética: a moral protestante estava mais predisposta ao espírito capitalista, por infundir no indivíduo mais autonomia intelectual e menos aversão ao lucro. Apesar do historiador Trevor-Roper está de acordo, acrescenta nuances importantes à visão. Para ele, a religião foi um dos fatores, não o único que Igreja Anglicana, fundamentada numa idéia política e não religiosa destacou.
O que é didaticamente conhecida como a Revolução Puritana é, portanto, um movimento burguês, com apoio aristocrático que agora via sua possibilidade de ascensão ao poder. O calvinismo nesse momento dava o suporte ideológico para que os eleitos de Deus se mobilizassem para cuidar da terra que lhes havia sido entregue como promessa divina. Uma reestruturação jurídica faria com que a Revolução Inglesa eclodisse com apoio dessas frações sociais, seja do antigo regime, seja das novas forças sociais que surgiam.
Ao ascender definitivamente ao poder, em 1651, Oliver Cromwel calvinista e agora Lorde Protetor da Inglaterra, estabelece uma república unificando os territórios da Inglaterra, Irlanda e Escócia. Uma de suas ações foi à convocação de uma assembléia de clérigos para reformulação da fé protestante na Inglaterra. Segundo HILL (1984) o controle da igreja, o principal corpo formador de opinião no país era de suma importância, assim como o controle da mídia é nos dias atuais.
Por tudo citado acima, entendemos a Revolução Inglesa como um processo político-teológico que aconteceu no momento em que camponeses, monarcas, aristocratas e clérigos discutiam um novo ordenamento social, mesmo que esse contenha em sua estrutura porções do antigo regime. O calvinismo foi de fato um importante componente no ideário dessa revolução. Desse modo, vimos a Revolução Inglesa como um processo de clivagem sócio-política que mexeu na superestrutura daquela nação colocando assim, essa sociedade em crise.
Por fim, percebemos como politicamente o poder simbólico do discurso teológico foi sendo usado em vários momentos da Revolução, e ao mesmo tempo foi fundamental para o exercício do poder contribuindo para o fortalecimento das práticas capitalistas embrionárias que mais tarde levariam a Inglaterra para uma outra revolução: a Industrial.
REFERÊNCIAS
BIÈLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa
Editora Presbiteriana, 1990.
HILL, Christopher. A Bíblia Inglesa e as revoluções do século XVII. Rio de Janeiro: Civilizações Brasileiras. 2003.
HILL, Christopher. O mundo de ponta cabeça: as idéias radicais durante a revolução inglesa de 1640. São Paulo: Companhia da Letras, 1987. p. 139-140.
HILL, Christopher. A revolução Inglesa de 1640. Lisboa: Presença, 1977. p.85-119.
Hill, Crhistopher. Revista Brasileira. N° 7, São Paulo: Marco Zero – ANDUH, 1984.
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 4 ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1985.